Título: WATCHMEN (Editora Abril) - Minissérie em seis edições
Autores : Alan Moore (roteiro) e Dave Gibbons (arte).
Número de páginas : 64 páginas por fascículo
Data de lançamento : Novembro de 1988 a abril de 1989
Sinopse : Como seria uma história de super-heróis no mundo real? Um mundo em que policiais fazem manifestações públicas contra a atividade dos vigilantes, forçando-os a abandonar a atividade. Um mundo que dorme sob o medo de uma iminente guerra nuclear.
Nesse contexto se desenvolve aquela que, aparentemente, seria a história principal. O misterioso assassinato de um agente do governo. Afinal, quem matou o ex-vigilante conhecido como Comediante? Quem poderia liquidar um super herói? Quais as razões do crime?
Positivo/Negativo : Apesar de Stan Lee, na década de 1960, ter acertado "na mosca" ao usar personagens com problemas comuns (como prestações para pagar), até bem pouco tempo seria impensável, imaginar super-heróis falíveis e incoerentes, como qualquer ser humano normal.
Em geral, os super-heróis, sobretudo os da DC, seguiam uma moralidade maniqueísta, simplista e desprovida de quaisquer conflitos psicológicos.
Após décadas de uso, a velha fórmula começava a cansar os leitores, sobretudo os mais jovens, que não entendiam tão bem por que aqueles heróis ainda se comportavam como se vivessem sob aura dos anos 30 e 40.
Eis que, de repente, num período relativamente curto, começaram a surgir artistas com novas propostas para os super-heróis. Lançamentos como Monstro do Pântano, V de Vingança, A Piada Mortal, Batman Ano Um, O Messias e, sobretudo, Watchmen ajudaram a mudar o panorama e a forma de encarar o universo dos heróis.
Velhos paradigmas foram quebrados. O que aconteceria se pessoas comuns, com seus problemas, traumas, crise, anseios, vaidades e contradições, por perseverança ou acaso do destino, passassem a ter poderes que as diferenciassem do restante da humanidade?
E o que levou os autores a pensar que o fato de terem superpoderes e boas intenções redimiria os heróis dos defeitos que os caracterizavam como seres humanos?
Nesta série, cenas simples e cotidianas, aparentemente apenas de preenchimento, na verdade estão carregadas de significado. Moore e Gibbons desencadeiam um processo de associação e repetição de imagens, deixando pistas que ajudam a compor a magnitude da obra.
Na verdade, mais que uma obra de criação, Watchmen é uma obra de desconstrução, de mudança de paradigmas, uma crítica contundente e feroz aos heróis de colante e à forma como eram retratados. Obviamente, um trabalho de tal magnitude gerou protestos e aclamação.
Uma parte significativa dos fãs, sobretudo os admiradores do gênero que não viveram ou conheceram as eras de ouro e prata das HQs, elegem Watchmen como um dos exemplos máximos do bom quadrinho. Mas há um outro grupo de leitores - e até de escritores deste mercado - que acha a série um desrespeito ao gênero super heróis.
A exemplo de outras obras do roteirista britânico, Watchmen não se restringe à grandiosidade que foi propor uma nova leitura para os heróis. Se a idéia era fazer uma história contemporânea, Moore e Gibbons levaram o plano a complexidades nunca antes vistas.
A história trata de modo sério e crítico alguns problemas político-sociais e assuntos ainda hoje obscuros para grande parte da população mundial (relatividade, sistemas caóticos, teoria de fractais, metafísica, componentes subatômicos etc.). Tudo foi harmonicamente colocado como parte da história, tanto no roteiro, quanto nos desenhos.
Usando temas complexos de física avançada, fica difícil tachar as HQs de "gênero menor de literatura" ou "leitura para crianças"... Não é à toa que esta série ainda hoje é recomendada por fãs a pessoas que têm um contato esporádico com os quadrinhos. E isso é um erro, pois quem não é leitor pode até gostar da série, mas sem o conhecimento prévio do universo dos gibis e, sobretudo dos super-heróis, a obra perde em compreensão.
Depois de Watchmen, uma gama de escritores se voltaram para as ditas "HQs adultas", resultando numa enxurrada de histórias de qualidade duvidosa, nas quais o personagem principal cometia erros e sofria. Assim, ficaram irritantemente repetitivas.
HQs mais simples, mesmo as bem escritas no velho estilo do super-herói platônico, passaram a ser tachadas de "inferiores" pelos próprios fãs. Mesmo os bons artistas, que tinham algo diferente a mostrar, seguindo a vontade do mercado se voltaram para o nicho "adulto", gerando um vácuo.
Assim, boas histórias de super-heróis para o público mais jovem foram ficando cada vez mais raras.
O próprio Alan Moore criou excelentes histórias de super-heróis baseadas nos velhos moldes, usando o Super-Homem, Supremo e, mais recentemente, Tom Strong.
Com isso, o escritor inglês mostrou que o problema do declínio dos super-heróis não era o estilo dos personagens, mas a qualidade dos escritores. Usando os mais antigos clichês do gênero, Moore, de forma genial, criou algumas das melhores histórias de todos os tempos. Infelizmente, o dano já havia sido feito.
Watchmen pode ser encarada, com um pouco de boa vontade, como uma ficção científica, que tem mais de 15 anos, mas que ainda hoje trata de temas atuais e traz incluída em seu bojo uma tremenda dose de crítica social, encoberta por simbolismos.
Outra coisa interessante na obra é que a mesma ação é contada sob diversos pontos de vista. Um excelente exercício de metalinguagem, pois cada personagem percebe o entorno sócio-ambiental de forma distinta, e Moore mostra essas diferentes percepções. Assim, numa ação com vários super-heróis, cada um recorda a ação com níveis de detalhamento e perspectivas distintas; e a somatória disso tudo, aliado à percepção única do leitor, vai, aos poucos permitindo o entendimento do que realmente se passou.
Muitas vezes, o leitor é surpreendido, ao perceber que a expressão facial de um personagem, vários capítulos atrás, tem um sentido que não foi percebido pelo seu ponto de vista (e nem pelos de alguns personagens).
Se a complexidade da história é fabulosa, o que dizer dos desenhos e da narrativa? Uso de Caos e Fractal em quadrinhos é algo a ser adjetivado no mínimo de genial. A disposição simétrica dos quadros espelhados em diferentes escalas na página, na revista e na série como um todo, e o uso de planos de enquadramento em seqüência recorrente nunca tinham sido usados nas HQs.
Em cada uma das histórias, os formatos dos quadros são diametralmente opostos (espelhados). Os quadros duplos se repetem do outro lado. A decupagem da última página tem o mesmo formato (só que com a distribuição de quadros inversa) da primeira.
Da mesma forma, a ultima edição é uma imagem espelhada da primeira e até os enquadramentos são opostos. Ou seja, um magnífico exemplo de utilização de fractais. A simetria é total do início ao fim.
Se a história é cruel com o leitor ao expor suas ignorância em temas discutidos há mais de três décadas, a arte contribui, mostrando que todo aquele texto futurístico se passa no pretérito. Gibbons, com seu talento característico, se inspira nos desenhos antigos imprimindo à série um maravilhoso clima noir.
A variedade de referências visuais e conceituais apresentadas na obra é imensa. Há diversos fãs que se dedicam a buscar e explicitar suas fontes; e numerosos trabalhos acadêmicos de graduação e pós-graduação já foram feitos sobre Watchmen.
Infelizmente, a série não recebeu o capricho que merecia. A Abril a editou em seis partes (no original são 12) e, claro, suprimiu seis capas. Uma pena, nelas havia um trabalho gráfico utilizando a noção de tempo. Essa supressão compromete a intenção dos autores.
Além disso, nas três primeiras edições, a Abril errou, e manteve parado o pequeno relógio, cujos ponteiros deveriam aparecer em posições diferentes a cada número.
Depois, a Abril lançou uma edição encadernada e uma excelente versão completa em 12 fascículos, capa cartonada e papel excelente. Infelizmente, o erro ridículo do relógio parado se manteve.
Watchmen é uma das maiores HQs de todos os tempos. Recomendação máxima. Vale a pena procurá-la nos sebos. A série, entretanto, tem uma peculiaridade: precisa ser lida várias vezes, o que, acredite, é uma atividade extremamente prazerosa.
Autores : Alan Moore (roteiro) e Dave Gibbons (arte).
Número de páginas : 64 páginas por fascículo
Data de lançamento : Novembro de 1988 a abril de 1989
Sinopse : Como seria uma história de super-heróis no mundo real? Um mundo em que policiais fazem manifestações públicas contra a atividade dos vigilantes, forçando-os a abandonar a atividade. Um mundo que dorme sob o medo de uma iminente guerra nuclear.
Nesse contexto se desenvolve aquela que, aparentemente, seria a história principal. O misterioso assassinato de um agente do governo. Afinal, quem matou o ex-vigilante conhecido como Comediante? Quem poderia liquidar um super herói? Quais as razões do crime?
Positivo/Negativo : Apesar de Stan Lee, na década de 1960, ter acertado "na mosca" ao usar personagens com problemas comuns (como prestações para pagar), até bem pouco tempo seria impensável, imaginar super-heróis falíveis e incoerentes, como qualquer ser humano normal.
Em geral, os super-heróis, sobretudo os da DC, seguiam uma moralidade maniqueísta, simplista e desprovida de quaisquer conflitos psicológicos.
Após décadas de uso, a velha fórmula começava a cansar os leitores, sobretudo os mais jovens, que não entendiam tão bem por que aqueles heróis ainda se comportavam como se vivessem sob aura dos anos 30 e 40.
Eis que, de repente, num período relativamente curto, começaram a surgir artistas com novas propostas para os super-heróis. Lançamentos como Monstro do Pântano, V de Vingança, A Piada Mortal, Batman Ano Um, O Messias e, sobretudo, Watchmen ajudaram a mudar o panorama e a forma de encarar o universo dos heróis.
Velhos paradigmas foram quebrados. O que aconteceria se pessoas comuns, com seus problemas, traumas, crise, anseios, vaidades e contradições, por perseverança ou acaso do destino, passassem a ter poderes que as diferenciassem do restante da humanidade?
E o que levou os autores a pensar que o fato de terem superpoderes e boas intenções redimiria os heróis dos defeitos que os caracterizavam como seres humanos?
Nesta série, cenas simples e cotidianas, aparentemente apenas de preenchimento, na verdade estão carregadas de significado. Moore e Gibbons desencadeiam um processo de associação e repetição de imagens, deixando pistas que ajudam a compor a magnitude da obra.
Na verdade, mais que uma obra de criação, Watchmen é uma obra de desconstrução, de mudança de paradigmas, uma crítica contundente e feroz aos heróis de colante e à forma como eram retratados. Obviamente, um trabalho de tal magnitude gerou protestos e aclamação.
Uma parte significativa dos fãs, sobretudo os admiradores do gênero que não viveram ou conheceram as eras de ouro e prata das HQs, elegem Watchmen como um dos exemplos máximos do bom quadrinho. Mas há um outro grupo de leitores - e até de escritores deste mercado - que acha a série um desrespeito ao gênero super heróis.
A exemplo de outras obras do roteirista britânico, Watchmen não se restringe à grandiosidade que foi propor uma nova leitura para os heróis. Se a idéia era fazer uma história contemporânea, Moore e Gibbons levaram o plano a complexidades nunca antes vistas.
A história trata de modo sério e crítico alguns problemas político-sociais e assuntos ainda hoje obscuros para grande parte da população mundial (relatividade, sistemas caóticos, teoria de fractais, metafísica, componentes subatômicos etc.). Tudo foi harmonicamente colocado como parte da história, tanto no roteiro, quanto nos desenhos.
Usando temas complexos de física avançada, fica difícil tachar as HQs de "gênero menor de literatura" ou "leitura para crianças"... Não é à toa que esta série ainda hoje é recomendada por fãs a pessoas que têm um contato esporádico com os quadrinhos. E isso é um erro, pois quem não é leitor pode até gostar da série, mas sem o conhecimento prévio do universo dos gibis e, sobretudo dos super-heróis, a obra perde em compreensão.
Depois de Watchmen, uma gama de escritores se voltaram para as ditas "HQs adultas", resultando numa enxurrada de histórias de qualidade duvidosa, nas quais o personagem principal cometia erros e sofria. Assim, ficaram irritantemente repetitivas.
HQs mais simples, mesmo as bem escritas no velho estilo do super-herói platônico, passaram a ser tachadas de "inferiores" pelos próprios fãs. Mesmo os bons artistas, que tinham algo diferente a mostrar, seguindo a vontade do mercado se voltaram para o nicho "adulto", gerando um vácuo.
Assim, boas histórias de super-heróis para o público mais jovem foram ficando cada vez mais raras.
O próprio Alan Moore criou excelentes histórias de super-heróis baseadas nos velhos moldes, usando o Super-Homem, Supremo e, mais recentemente, Tom Strong.
Com isso, o escritor inglês mostrou que o problema do declínio dos super-heróis não era o estilo dos personagens, mas a qualidade dos escritores. Usando os mais antigos clichês do gênero, Moore, de forma genial, criou algumas das melhores histórias de todos os tempos. Infelizmente, o dano já havia sido feito.
Watchmen pode ser encarada, com um pouco de boa vontade, como uma ficção científica, que tem mais de 15 anos, mas que ainda hoje trata de temas atuais e traz incluída em seu bojo uma tremenda dose de crítica social, encoberta por simbolismos.
Outra coisa interessante na obra é que a mesma ação é contada sob diversos pontos de vista. Um excelente exercício de metalinguagem, pois cada personagem percebe o entorno sócio-ambiental de forma distinta, e Moore mostra essas diferentes percepções. Assim, numa ação com vários super-heróis, cada um recorda a ação com níveis de detalhamento e perspectivas distintas; e a somatória disso tudo, aliado à percepção única do leitor, vai, aos poucos permitindo o entendimento do que realmente se passou.
Muitas vezes, o leitor é surpreendido, ao perceber que a expressão facial de um personagem, vários capítulos atrás, tem um sentido que não foi percebido pelo seu ponto de vista (e nem pelos de alguns personagens).
Se a complexidade da história é fabulosa, o que dizer dos desenhos e da narrativa? Uso de Caos e Fractal em quadrinhos é algo a ser adjetivado no mínimo de genial. A disposição simétrica dos quadros espelhados em diferentes escalas na página, na revista e na série como um todo, e o uso de planos de enquadramento em seqüência recorrente nunca tinham sido usados nas HQs.
Em cada uma das histórias, os formatos dos quadros são diametralmente opostos (espelhados). Os quadros duplos se repetem do outro lado. A decupagem da última página tem o mesmo formato (só que com a distribuição de quadros inversa) da primeira.
Da mesma forma, a ultima edição é uma imagem espelhada da primeira e até os enquadramentos são opostos. Ou seja, um magnífico exemplo de utilização de fractais. A simetria é total do início ao fim.
Se a história é cruel com o leitor ao expor suas ignorância em temas discutidos há mais de três décadas, a arte contribui, mostrando que todo aquele texto futurístico se passa no pretérito. Gibbons, com seu talento característico, se inspira nos desenhos antigos imprimindo à série um maravilhoso clima noir.
A variedade de referências visuais e conceituais apresentadas na obra é imensa. Há diversos fãs que se dedicam a buscar e explicitar suas fontes; e numerosos trabalhos acadêmicos de graduação e pós-graduação já foram feitos sobre Watchmen.
Infelizmente, a série não recebeu o capricho que merecia. A Abril a editou em seis partes (no original são 12) e, claro, suprimiu seis capas. Uma pena, nelas havia um trabalho gráfico utilizando a noção de tempo. Essa supressão compromete a intenção dos autores.
Além disso, nas três primeiras edições, a Abril errou, e manteve parado o pequeno relógio, cujos ponteiros deveriam aparecer em posições diferentes a cada número.
Depois, a Abril lançou uma edição encadernada e uma excelente versão completa em 12 fascículos, capa cartonada e papel excelente. Infelizmente, o erro ridículo do relógio parado se manteve.
Watchmen é uma das maiores HQs de todos os tempos. Recomendação máxima. Vale a pena procurá-la nos sebos. A série, entretanto, tem uma peculiaridade: precisa ser lida várias vezes, o que, acredite, é uma atividade extremamente prazerosa.
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