Escritor: Ana Bourg
Lilavati era uma caçadora de estrelas. Você pode não acreditar em mim, mas ela vaga pelo multiverso com uma rede especialmente feita para seu trabalho. Já vira de tudo: de anãs brancas a gigantes azuis e outras cores inomináveis dos universos paralelos a este. O que importa é que Lilavati era boa no que fazia e ganhava recompensas valiosas ao trazer exemplares raros para colecionadores de tantos mundos que seria impossível enumerar.
Pois bem, em um momento qualquer – pois desconheço a unidade de tempo para aqueles que vagam pelo multiverso, Lilavati conheceu um jovem mago de uma terra sem sol. (Na verdade isso seria impossível, mas para que fique melhor visualizado, utilizo termos terráqueos que de forma muito eficaz, correspondem a leis físicas que regem o universo conhecido).
“Oh Dama Perseguidora da Luz” ele disse, muito pomposo “Se aqui um Sol houvesse, dizem-me os sonhos, poderia ver se és bela como o som de teus movimentos.”
Mas Lilavati não se impressionava com esse tipo de conversa. Apenas perguntou o que o Mago realmente queria.
“Traga-me uma estrela não muito quente e de iluminação branda, seja deste universo ou de outro que for… mas que sirva aqui nesta lâmpada.”
Ele mostrou uma peça metálica pendendo presa no galho de uma única árvore em meio a desolação em que vivia, ou melhor, apenas as silhuetas das mesmas, perdidas na escuridão.
“Assim poderei revolucionar essa terra! Todos os sábios respeitarão meus sonhos sobre um mundo iluminado!”
“Que seja” disse Lilavati, indiferente.
oOo
Então ela viajou aleatoriamente para algum lugar do multiverso e foi dar em um espaço de proporções infinitas, cheio de galáxias coloridas e multiformes. Era bonito, mas um bocado parado, devido ao fato de serem necessários trilhões de anos-luz para que algo acontecesse. Se decidiu por uma galaxiazinha em forma de espiral e achou graça em constatar que havia sete civilizações diferentes, usando alta tecnologia para tatear os arredores, incapazes de se encontrar, enquanto muita gente atribuía características onipotentes para o que quer que estivesse além de suas vistas.
“Oras veja, ali tem a estrela que o Mago pediu!” Mas como já havia viajado o suficiente, Lilavati resolveu parar em um planetinha azul próximo, onde vivia uma civilização das mais desprovidas de bom senso. Ela percebeu também que o Sol era necessário para os seres desse planeta. Ao que parece, aquelas criaturas se desenvolveram e tornaram-se mais complexas depois de desenvolver algum tipo de simbiose tão necessária à vida ali, a tal ponto que os humanos a consideravam única, perfeita e sagrada, mesmo que a esfera de fogo fosse completamente indiferente aos seus adoradores, afinal era somente um monte de componentes químicos aglomerados devido à gravidade.
Conforme passeava pelo planetinha, a despeito da beleza natural que nele se desenvolvera, começou a irritar-se com os primatas pelados e metidos a espertos que dominavam o planeta, eram grosseiros e auto-destrutivos.
Concluiu que seria bem feito tomar-lhes a estrela. Lilavati sentou-se sobre uma rocha em uma praia cujas bordas perdiam-se no horizonte. Era noite, e o satélite redondo e pálido daquele planeta refletia luz solar, traçando uma linha prateada no oceano. A caçadora imaginava como seriam as coisas se houvesse um segundo satélite, quando a voz próxima de um humano a distraiu.
“Noite!” disse o rapaz.
“Boa!” ela respondeu, já familiarizada com a fala terrestre e continuou a observar o mar.
“Ei, aconteceu alguma coisa? Você está perdida?” ele abaixara-se ao lado de Lilavati.
“Não, estou bem. Apenas espero o amanhecer.”
“Ah…” o rapaz murmurou, ainda sem sair do lugar. “Eu estava pescando. Levarei peixes para minha família jantar. Se você…”
Lilavati interrompeu as explicações do humano.
“O que acha da humanidade, pescador?”
“Ainda tem conserto, apesar de tudo.” ele respondeu com sinceridade.
Lilavati riu, passara o dia todo pensando em esfregar isso na cara de algum humano: “Por acaso quer resolver tudo com sua religião, não é, pescador?”
“Sou ateu” Falou o rapaz “Para mim, o mundo só irá melhorar quando as pessoas mudarem seu modo de percebê-lo.”
Talvez achando que já falara o suficiente, o rapaz recolheu o balde de peixes, se despediu e seguiu seu caminho até desaparecer no além-da-vista.
oOo
O Mago botou a estrela que Lilavati trouxera na lâmpada metálica e vazia, tal qual vira em seus sonhos. A luz faiscou, dourada e então havia se espalhado por todo aquele mundo escuro.
“Ah” exclamou o povo, muito confuso “Sentimos calor e o brilho amarelado envolve nossa percepção!”
“Eles não tem olhos!” disse Lilavati “Tampouco você, Mago!”
“Mas, eu sonhei… Eu vi em meus sonhos e na realidade também haveria de ver! Pegaste a estrela errada, perscrutadora?”
“Essa é exatamente igual ao pedido. Não me responsabilizo por suas idéias” ela respondeu, vendo três figuras curvas se aproximarem.
“Somos os sábios! Viemos saber o que acontece…”
O Mago tratou logo de explicar-se: “Meu sonho de um mundo iluminado irá se concretizar, professores! Com a estrela que encomendei, há luz. Dada hora expostos a ela, passaremos a enxergar!”
“Isso não acontece assim, na verdade…” Lilavati comentou, assistindo a confusão sem tamanho que espalhara-se pela terra-a-pouco-sem-luz.
“Tire isso da’qui” disse o sábio mais idoso “Mago, devolva isso para a moça… E moça, devolva esse sol para seu respectivo universo”
Desmoralizado, o Mago caiu de joelhos no chão. O brilho dourado sumira, pois Lilavati guardara o Sol em sua bolsa.
“Mago, não fique assim. Certas coisas no multiverso são imutáveis, pelo menos a curto prazo…” ela falou, pensativa “Além, como você pode ter sonhado com algo, visão no caso, que nunca fez parte de sua realidade?”
“Eu…”
“E para que a visão, se sua espécie tem uma percepção tão aguçada?”
“Talvez tenha razão” o mago admitiu “Mas os sonhos nunca mentem! E irei pregar isso aos ventos, bela caçadora de estrelas”
Lilavati deu de ombros, Fanáticos haviam em todo espaço que visitasse. Ainda sim, gostava de ser viajante. Lembrou-se, então, que tinha um sol a devolver. A essa altura já deviam (ou não) ter percebido que não tratava-se de um eclipse. De qualquer forma, sentia vontade de visitar aquele bizarro planetinha azul e, quem sabe, aprender o ofício que chamavam de pescar.
FIM
(Escrito em 4 de Junho de 2009.)
Nota: o nome “Lilavati” é indiano e realmente significa “bela”. É conhecido pelos problemas de geometria, e um tanto poéticos, propostos por Bhaskara em torno do século XII, endereçados à filha do matemático. – A profissão da personagem foi inspirada em uma carta de Magic: The Gathering.
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poxa, podia ter me avisado que postou meu conto aqui. XD
ResponderExcluirobrigada, anyway.