Escrito por Ana Carolina da Silveira
Autor do Livro: Eric Novello
A Literatura é uma coisa só, colocando debaixo de seu guarda-chuva todos os gêneros, sem preconceito por este ou aquele. Alguns dos clássicos universais são fantásticos, outros são thrillers, outros romances psicológicos, outras narrativas simples daquilo denominado como “mainstream”.
Mainstream, nesse contexto, significa mais ou menos a linha mestra principal, geral e genérica de uma manifestação artística. É o romance que não pertence a um gênero e o que se costuma definir erroneamente como toda a literatura.
Quando se está perto do gênero, parece que existe a dicotomia entre ele e o mainstream ( para ficar em minhas preferências pessoais, literatura fantástica ), que são ideias imiscíveis como água e óleo, como polos iguais de um ímã que se repelem. Só que essa dicotomia não existe: mainstream e gênero se complementam, se tocam, se influenciam.
Não é apenas a boate que dá titulo ao romance Neon Azul que está no limiar entre o mundo real e o sonho: o livro também está entre o mainstream e a fantasia. É o diálogo entre o gênero e a generalidade, um romance fantástico com toques do noir e do contemporâneo – ou um romance noir e contemporâneo com toques fantásticos? Fica para o leitor decidir.
O romance tem a estrutura fix-up, ou seja, são contos independentes entre si, que podem ser lidos em qualquer ordem e que se encerram em si mesmos, mas que lidos em conjunto formam uma trama. O livro trata da história da Neon Azul, uma boate diferente perdida no centro do Rio de Janeiro, e cada conto trata da vida de uma pessoa que orbita o bar, seja funcionário ou cliente.
O Neon Azul parece atrair pessoas perdidas – tanto aquelas sem rumo quanto as que encontraram o rumo da perdição. É como se o bar estivesse naquele limiar entre o real e o sonho, onde o impossível acontece de forma natural e onde as coisas mudam de forma se você para de prestar a atenção nelas. O Neon tem a lógica dos sonhos, onde os desejos se tornam intensos e estão ao alcance de um toque – entretanto, aqui, há um preço a se pagar pela satisfação da vontade.
Os contos são noir e, ao contrário do humor irônico de Histórias da Noite Carioca, aqui a melancolia é onipresente, bem como a sensação de aniquilação e de fatalidade. Não é um livro sobre escolhas fáceis ou finais felizes e redentores, mas sobre aqueles que já perderam tudo – o orgulho, a saúde, a sanidade. Há também aqueles que querem entrar num mundo que glamourizam, mas que mostra todos os seus tons de negro à medida em que se aprofundam.
Talvez o conto de abertura seja aquele que mais destoe dos outros: a solução do conflito é uma catarse parecida com aquela do filme Dogville, solução essa que não ocorre da mesma forma nos outros contos. Não são contos para estômagos fracos e sensíveis – sexo, drogas, assassinato, desejos perdidos e encontrados.
A parte fantástica é bem sutil, apesar de onipresente (e tenho no mínimo três teorias pessoais para a identidade d’O Homem). Tempo e espaço são apenas convenções que podem ser facilmente burladas, pessoas atravessam espelhos e guardam seres mágicos em garrafas. E o fantástico aqui é real, não metáfora ou fábula. Faz parte e compõe o universo onírico do bar. Por isso, talvez seja muito mais mainstream com toques fantásticos do que fantástico escrito com a contemporaneidade mainstream.
É uma leitura altamente recomendada e, sinceramente, o melhor livro que li este ano (sorry, mr. Gaiman).
Ana Carolina da Silveira escreve regularmente no seu blog Leitura Escrita, onde publica uma coleção de suas impressões e pensamentos sobre aquilo que foi lido, escrevendo de um tudo, mas com frequência maior às obras da literatura gênero.
Fonte: Contos Fantasticos
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