16 março, 2011

Você faz anotações nas margens dos livros?

Se faz, saiba que a marginália (do latim medieval marginalia, pl. de marginalis), ou o “Conjunto de anotações feitas nas margens de um manuscrito, caderno, ou mancha de uma página impressa (jornal, livro etc.)”[1],  pode acabar e as anotações desaparecerem para sempre por causa dos leitores de livros eletrônicos.

Anotações nas margens dos livros
Detalhe da Bíblia que pertenceu a Martin Lutero contendo suas anotações.
Imagem @ James L. Amos/CORBIS

Esta é uma das práticas mais interessantes e prazerosas para quem gosta de ler e simultaneamente deixar registrado o que pensa a respeito dessa ou aquela passagem do livro. Infelizmente pode acabar devido ao surgimento do livro eletrônico. Isso é apontado na matéria “Book Lover Fear Dim Future for Notes in the Margins” (algo como Os amantes de livros temem pelo fim das notas nas margens dos livros), que saiu na seção de livros do New York Times.

Mark Twain e Nelson Mandela

O temor se dá pelo fato de essa atividade ser quase uma “arqueologia” literária e citam exemplos como o de Mark Twain, que fez anotações nas margens das páginas de um livro chamado The Pen and the Book (A caneta e o livro) que, na verdade, é um guia sobre marketing para escritores e editores. Uma das notas diz o seguinte:
Nada pode ser mais estúpido do que usar publicidade para vender livros como se fossem “bens essenciais”, como o sal ou o tabaco”.

Ele também da uma espetadela ao ler que será paga uma quantia significativa para uma escritora fundadora da Ciência Cristã. E vejam que interessante sobre Nelson Mandela, quando esteve preso, em 1977:
(…) uma cópia das obras de Shakespeare foi distribuída entre os detentos. Mandela escreveu seu nome junto à passagem de “Júlio César”, que diz: “Os covardes morrem muitas vezes antes de suas mortes.”

Anotações e fichamentos

Em termos acadêmicos seria “fichar” um livro. Quer dizer, anotar aquilo que se entende ou não, para, posteriormente, relembrar os pontos principais e compreender o que se leu. Dou um exemplo concreto da importância dessa prática. Eu sempre tive vários livros, não apenas os de formação acadêmica, como de literatura em geral. Ler sempre foi uma das coisas que mais gosto de fazer. Portanto, meu filho que estuda Filosofia na UFRJ regularmente faz uso dessa minha biblioteca. A minha graduação é em História. Várias e várias vezes ele veio me falar que sempre lê as minhas anotações feitas à margem das páginas dos livros. Motivo de orgulho para um pai coruja, não?

E se der pau?

Pois bem. Voltando ao artigo, a questão é: como serão preservadas essas anotações nos leitores de livros digitais. Certamente que, segundo o texto, há e haverá maneiras e maneiras de registrar. O problema está no fato d,e se isso será ou não preservado. Digamos que, em perfeito informatês, a geringonça dê pau? Como nem todos (99% dos usuários de qualquer treco informático) fazem cópias de segurança, corre-se o risco de que esses registros, digamos inúteis para a maioria, mas que guardam um pedaço do pensamento de quem leu determinado livro, desapareçam para sempre. A situação parece tão séria que até acontecerá um simpósio a respeito, organizado pelo Caxton Club, um clube literário fundado em 1895. Serão apresentados temas ligando autores e leitores como Abraham Lincoln, Alexander Pope, Jane Austen, Walt Whitman e Henry David Toureau, notórios praticantes das anotações nas margens dos livros. Outros praticantes foram William Blake e Charles Darwin.

Ler é conversar com o livro

Eu sempre disse aos meus alunos que um livro não é apenas para ler. É para conversar com ele. Eu só não sabia que essa mesma ideia não era original deste que vos escreve. Fiquei sabendo ao ler o artigo do NYT que um grande estudioso da história oral, Studs Terkel, dizia o seguinte: a leitura de um livro não deve ser um exercício passivo, mas sim uma conversa com voz rouca.

Então, ao conversar com um livro, quer dizer, fazer anotações nas margens de suas páginas, não temos noção do valor que esse livro pode alcançar no mercado de livros usados e raros – é um mercado incessante e fortíssimo –, pois é um elo de ligação com os leitores e grupos da sociedade que leram o livro. Imagine, então, quanto vale um livro com anotações feitas por alguma celebridade?

A relevância do que está escrito nas margens é subjetiva. Experimente, por exemplo, ir a um sebo e escolher um livro já lido por alguém e que têm anotações. Você vai entrar na mente daquela pessoa e tentar desvendar os mistérios que a levaram a escrever coisas como descobriu Billy Collins, um poeta norte-americano, ao se deparar com uma edição usada de “O apanhador no campo de centeio”, de J.D. Salinger,  em que a antiga leitora deixou a seguinte anotação: Perdoe pelas manchas de salada de ovos, mas eu estou apaixonada”.



Este foi escrito a partir da tradução e adaptação feitas por Jorge Alberto, da matéria Book Lover Fear Dim Future for Notes in the Margins
, de Dirk Johnson, para o The New York Times de 21/02/2011.
[1] Aulete Dicionário Digital

Nenhum comentário:

Postar um comentário