A psicóloga Lucélia Elizabeth Paiva está completamente envolvida com os diferentes tipos de relacionamentos humanos. Então, natural que a morte seja também um tema frequente em seu cotidiano.
Ao estudar e pesquisar sobre o assunto, constatou que, ao se tratar de crianças, a literatura infantil promove um admirável apoio aos pequenos, e mais do que isso, serve como intérprete para a compreensão das etapas e surpresas da vida.
Em seu livro "A Arte de Falar da Morte para Crianças", a psicóloga reúne anotações das mais curiosas sobre a relação de personagens da ficção com sentimentos reais.
"Comecei a refletir sobre a formação do indivíduo e, então, a percorrer a seguinte linha de pensamento: seria interessante que as várias mortes com as quais a criança se deparar em seu dia a dia pudessem ser trabalhadas, para que ela fosse preparada desde cedo a enfrentar esse tema", justifica a autora.
Para facilitar as explicações e os interesses de cada leitor, a obra foi dividida em "morte", "criança", escola", "literatura infantil" e "biblioterapia". Apesar de todos os capítulos estarem interligados, eles podem ser lidos separadamente, e cada um se preocupa um pouco mais em contextualizar e debater o tema a partir de referências históricas e pesquisas sobre o assunto.
Referências e sugestões sobre inúmeros livros nacionais e internacionais e que abordam o tema morte de diferentes pontos de vista, naturalmente aparecem ao longo de todo o texto.
Leia trecho do primeiro capítulo:
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A morte faz parte do cotidiano de todos nós, inclusive de nossas crianças. Cabe aqui lembrar que, atualmente, a morte invade nossa vida repentinamente, sem nos pedir licença, sem aviso prévio, sem controle, sem formas de proteção e faz parte de nossa vida pessoal. É a "morte escancarada" (Kovács, 2003).
Isso é vivenciado por todos e cada um de nós nas ruas -violência, homicídios, acidentes etc. -, nos meios de comunicação - jornais, rádios etc. - e dentro de nossas casas - nos noticiários da TV, nas cenas de violência física e social, nas cenas de acidentes, homicídios, guerras, atentados.
E esses eventos não têm horário certo para acontecer e/ou serem exibidos, em qualquer hora do dia ou da noite, para qualquer um, de qualquer idade. A morte invade nossos lares, e não há reflexão a respeito.
Desse modo, corremos o risco de sermos impregnados pela dor e pelo sofrimento, dando a impressão de que isso é natural e faz parte da vida. Podemos encarar essa situação como uma banalização da morte. E, assim, continuarmos a jornada, sem falar sobre a morte, sem elaborar o tema. Parece que somos obrigados a engolir a morte sem digeri-la.
A morte está presente, inclusive, nos desenhos animados dos quais as crianças tanto gostam. A ideia mágica da imortalidade aparece quando, por exemplo, o Pica-Pau é atropelado por um trem, fica completamente estendido no chão como folha de papel e, em questão de instantes, toma sua forma original e sai por aí aprontando das suas...
Ou nas aventuras de Tom e Jerry -, ao explodir uma bomba na boca de Tom, Jerry fica totalmente chamuscado e logo se recupera para novas investidas contra seu rival. Ou os ídolos de filmes, como James Bond ou Indiana Jones, que passam por tantas aventuras, enfrentando situações de perigo inusitadas e saem ilesos, ainda fazendo amor com lindas mulheres. Aí está a ideia de imortalidade.
Atualmente, com os joguinhos eletrônicos, a criança enfrenta situações e/ou batalhas nas quais consegue driblar a morte. Ganha bônus por suas brilhantes estratégias para combater seus inimigos e é recompensada, ao passar de nível, adquirindo "vidas extras".
Por um lado, vemos a banalização da morte e, por outro, a imortalidade. Assim fica fácil continuar negando a morte e viver a vida fazendo de conta que ela está longe de nós, que só acontece com os outros.
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