01 julho, 2013

Depois da chuva - Wesley Alencar


Sem enxergar muita coisa à sua volta, Dave acabou pisando em uma enorme poça criada pela chuva torrencial que cobria todo o céu até onde sua vista alcançava. A água inundou o sapato recém polido, as meias novas e até a barra da calça. "Não posso reclamar", pensou consigo, "poderia ser muito pior, por exemplo..."No mesmo instante um ônibus que ele não havia notado passou próximo demais, o bastante pra lançar uma onda de lama sobre a camisa cor de vinho listrada, encharcando-a. "Talvez agora eu possa reclamar", foi a única coisa que passou por sua cabeça.

 Mas não reclamou. A vida já não estava tão boa, então qual o problema em piorar um pouco mais? Apesar de tanto esforço, mais uma porta fechada, mais uma oportunidade que se vai. "E por quê deveria ser diferente? O que fiz pra merecer que as coisas dessem certo? Que direito eu tenho de esperar da vida mais do que já recebi?". Perdido em seus pensamentos, lembrou das outras entrevistas de emprego sem sucesso, dos favores que pediu e não recebeu, da solução que buscou por oito dias seguidos - dos quais só dormiu cinco - e não encontrou.

 Sentou-se no banco da parada de ônibus aguardando alguma coisa, apesar de não saber o quê. Uma resposta? Talvez um completo desconhecido se sentasse ao seu lado e lhe oferecesse ajuda. "Ilusões, não tenho direito de me agarrar a fantasias. Tenho que respirar fundo e ser realista. Ser homem".

 Então veio uma maré de lembranças que o inundou até a beira da sanidade. Três meses lutando o que muitos chamavam de causa perdida. Treze semanas dando tudo de si, sem receber nada em troca, e sem ver sinal algum de esperança. E a maré se apossou de suas certezas, inundando o que lhe restava de forças.Dave chorou. Muito.

 Após vários minutos, que mais pareceram dias, um homem de meia idade, corte militar e olhar atento sentou-se ao seu lado. Pareceu notar as lágrimas secas e os olhos inchados que o evitavam com vergonha. O homem o observou por alguns instantes, e quando Dave estava prestes a se levantar pra seguir caminho, sentiu uma mão forte segurando-o pelo ombro. O toque foi aliviando a medida que ele se sentava novamente e, movido pela curiosidade, olhou para o homem que o impedira de partir, e ouviu palavras que mudariam sua vida pra sempre.

 Mais tarde, naquele mesmo dia, a porta do quarto de Julia se abriu lentamente, revelando uma tulipa meio murcha, carregada pelo rapaz sorridente que inseriu a flor entre as outras postas em um vaso sobre a mesa ao lado da cama.

 - Oi ruiva, se sente melhor hoje? - a garota parecia dormir profundamente, mas ele continuou - Trouxe mais uma flor pra você, das que você gosta.

 Dave sentou-se na poltrona posta ao lado da cama. O único som, além de suas palavras, era o bipar dos aparelhos que a mantinham respirando.

 - Fui hoje naquela outra entrevista que lhe falei anteontem. Acho que não deu muito certo, mas aconteceu uma coisa incrível comigo hoje. - seu sorriso habitual passou a ter um novo brilho - Conheci um homem que me disse tantas coisas sobre você e sobre nós... E sobre outra pessoa, alguém que pode ajudar a gente, que pode te fazer melhorar. Mas eu vou precisar que você peça a ajuda dele comigo, tá? Juntos, como sempre, certo meu amor? O homem me disse que a resposta vai depender da nossa certeza de que vai dar tudo certo, então eu preciso que você confie em mim, e nessa pessoa que vai nos ajudar também, tá?

Dave tirou os óculos, pousando-os sobre a mesa das flores. Se pôs de joelhos ao lado da cama, enlaçou a mão pequena e suave da garota com suas duas mãos, apertando-a suavemente, e curvou a cabeça.
Um cordão de três dobras começou a se formar, e o impossível aconteceu.

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