UMA SEGUNDA CHANCE
Com um fino galho de bétula improvisado como açoite, Draszen golpeava o lombo de uma égua baia, fazendo-a galopar com uma velocidade quase tão grande quanto o desespero que corroia seu coração. O animal havia sido cedido pelo próprio rei Andras, para que ele pudesse tentar resgatar seu filho.
Outros voluntários iriam com ele. Com permissão de Andras, Wikki e mais dezoito soldados se ofereceram para acompanhá-lo na busca. Formou-se então uma virtuosa unidade de vinte guerreiros a cavalo, motivados pela amizade e admiração por um companheiro em necessidade.
Como de costume, a mente de Draszen estava confusa com tantos pensamentos. Ele cortava o ar gelado do bosque, cavalgando aflito sem prestar muita atenção no trajeto. Pensava na dor de perder seu filho e no vazio que sentia no peito.
Fazia o caminho rapidamente, mas a sensação era de que os minutos pareciam horas. A salvação de Deyan dependia primordialmente de sua agilidade e, a todo momento, o temor de que já poderia ser tarde demais assolava sua alma.
Ao chegar de volta ao lar, o falcoeiro voltou à consciência. Havia uma lanterna acesa dentro da casa. A égua ainda galopava quando ele saltou e sacou sua espada, de supetão.
A porta foi posta ao chão com um chute violento, mesmo sem estar trancada. Draszen levantou sua lâmina acima da cabeça, pronto para cravá-la no invasor. Um instante antes de desferir o golpe, porém, reconheceu o intruso. Mais surpresa do que ele próprio, Nastia tinha os olhos arregalados e uma expressão de pavor.
- O que fazes aqui? – gritou Draszen.
- Soube do que aconteceu e corri para cá para oferecer minha ajuda. Sabes que tenho Deyan como um filho.
Draszen respirou fundo e, aliviado, guardou sua espada na bainha. Um som vindo do quarto de Deyan o fez se preparar mais uma vez para o combate.
- Espere, Draszen – disse Nastia segurando sua mão para que baixasse a espada. É Bair quem está aqui.
- Calma, calma, seu tolo. Sou eu, Bair – disse o sacerdote, saindo do aposento.
- Bair! Por Nrude, você também por aqui? Mas que diabos vocês fazem aqui?
- Viemos saber se você está bem, rapaz. É para isso que servem os amigos – respondeu Bair.
Draszen fez sinal de positivo com a cabeça e passou as mãos pelos cabelos loiros. Movido pela surpresa, assimilou o ocorrido e entrou no quarto do filho como uma lebre arisca. Com uma blusa de Deyan nas mãos, partiu, ainda mais rápido do que entrou. Correu para os fundos da casa e passou a vestimenta do filho no focinho dos cães. Afagou o cangote de um deles e soltou-os para que o auxiliassem naquela demanda.
- Vou trazê-lo de volta, Nastia. Ou não volto vivo. Isso eu prometo e brado para quem queira ouvir. Não descansarei enquanto não encontrá-lo e acabar de vez com a raça maldita.
- Que Nrude o proteja, meu filho – disse o religioso, saindo da casa às pressas.
O falcoeiro subiu na égua e golpeou seu ventre com os calcanhares, fazendo-a partir a meio galope. Mas logo um vulto no meio da estrada forçou-o a puxar as rédeas para que o animal cessasse. Draszen forçou os olhos na escuridão, segurando firme o punho da espada, até que percebeu que era Izbaza quem se aproximava.
- Por Nrude, será que não conseguirei partir ainda esta noite? Até parece que fazem de propósito para que eu me atrase – irritou-se.
Izbaza não respondeu, mas tirou o pé do noivo do estribo e, com extrema habilidade, apoiou seu pé elevando-se ao lado do seu homem para despedir-se.
Draszen virou o rosto por alguns segundos e viu Nastia estática na soleira de sua casa. Virou novamente o rosto e fixou os olhos na noiva.
- Desculpe, mas precisava lhe desejar sorte – disse ela enrolando um manto vermelho por cima de seus ombros. O frio será intenso e não quero que a neve o impeça de trazer Deyan de volta – disse a jovem.
Naquele momento, o rosto de Nastia se transformou e toda a ternura que ela trazia no olhar fez-se ódio. Draszen ainda tentou cruzar seu olhar com o da ruiva, mas só a viu partindo abalada de volta à cidade.
Com um beijo nos lábios, Izbaza se despediu do falcoeiro. Finalmente, ele seguiu para o ponto de encontro, onde se reuniria com os demais soldados.
Enquanto cavalgava, lembrou-se da noite em que seu pai saíra para resgatar seu irmão. Parecia que o destino trazia seu passado de volta. Sentia que ele teria uma segunda chance e que, talvez, ele pudesse ter sucesso onde o pai havia falhado.
O local onde se encontrariam era a clareira onde o cavaleiro havia raptado Deyan. Aquele seria o ponto de partida para uma caçada ainda maior do que a feita pelos nobres dias antes. Draszen imaginou que poderia ser uma caçada derradeira, que poria fim a todos os crimes praticados pela raça maldita. Ao chegar à clareira, contudo, teve uma desagradável surpresa.
- Onde estão Wikki e os outros que haviam se oferecido para a missão? – questionou o falcoeiro, notando a ausência de alguns de seus camaradas.
- Mudança de planos, falcoeiro. Somos a unidade agora, disse o líder dos soldados.
- Espere um pouco, saí há pouco do palácio e o rei havia liberado dezenove homens de minha confiança para me acompanharem na missão.
- Como eles, somos soldados da guarda real e você pode confiar em nós - respondeu o líder da unidade. Goran nos enviou, já que Wikki e seus homens estavam de serviço.
Draszen olhou para o soldado e hesitou por alguns instantes. Aquele era Tcherno, um lacaio bajulador de Goran, que não titubeava em cumprir suas ordens mais vis. Mesmo desapontado, o falcoeiro sabia que não havia tempo para tentar reverter àquela situação. O melhor seria tentar se virar com aqueles soldados, mesmo que não fossem de sua inteira confiança.
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História: Fernando Russell @cancerjack
Ilustrações: Victor Negreiro @estivador
Revisão: Lucio Nunes @Lucio_N
Fonte: Jovem NerdIlustrações: Victor Negreiro @estivador
Revisão: Lucio Nunes @Lucio_N
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